
Ao tentar dissolver os antagonismos políticos através da fórmula da autoridade, Bolsonaro se enquadra na forma do Pinochetismo 3.0, versão sul-americana da luta “anti-globalista” conhecida como Mussolinismo 3.0. Isso mesmo: Steve Bannon é um confesso apologista de Benito Mussolini, além de admirar na história americana o personagem Andrew Jackson, um dos fundadores do Partido Democrata, responsável pela consolidação da “democracia jeffersoniana”, ou seja, livre-mercado + escravidão. Enganou-se Celso Furtado no seu clássico Formação Econômica do Brasil ao acreditar que isso só poderia existir em terras tupiniquins através do infame barão de Cairu.
A crise política iniciada em junho de 2013 (como diz o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, faltou inteligência ao governo – serviços de inteligência eficientes – para alertar para a guerra irregular de outros Estados contra nosso país naquela ocasião; ainda falta ser criado um mínimo de consenso sobre o assunto, entretanto) e agravada pela Lava-Jato e pela Ponte para o Futuro (no que ela pôde ser construída até agora), deixou o país com “muito pouca gordura” para suportar qualquer outra tentativa do gênero.
Numa série histórica, de 2004 a 2014 tivemos saldo positivo na criação de emprego formal (no grosso, trabalhos com remuneração de 1 a 2 salários mínimos) aliado a política de contínua valorização do salário-mínimo, só transformada em lei posteriormente para proteger essa política de futuros governos. Seu último ano de vida provavelmente será 2019. Hoje, o aumento dos empregos formais se deve em maior parte à formalização do trabalho intermitente, o que não corresponde a uma ocupação definitiva do trabalhador.
Com a desistência do general da reserva Oswaldo Ferreira de ocupar o super-ministério da Infraestrutura, diante da luta por hegemonia dos dois grupos políticos mais fortes até agora na composição em andamento do governo eleito, ou seja, entre Onyx Lorenzoni e Paulo Guedes, Ferreira perdeu espaço. A divisão do futuro governo Bolsonaro parece clara: um primeiro escalão com essas duas figuras políticas, para os acordos legislativos e as medidas econômicas. Um segundo escalão, o da perseguição política, com Moro na Justiça e Levy no BNDES (ele não está lá para administrar o banco, mas para “abrir a caixa-preta”).
Esses dois níveis do governo irão disputar o protagonismo. Ferreira provavelmente aspirou ao primeiro escalão, foi relegado ao segundo e talvez não tenha visto muitas possibilidades de sucesso mesmo aí. O terceiro escalão é a parte mais caricata, com o astronauta-ministro, a atriz no Meio Ambiente e o religioso ortodoxo do Itamaraty. Quem sabe Magno Malta se some ao grupo (pena que o Doctor Ray não teve seus pedidos ouvidos…) ou até, por que não?, não um Frota mas um Divaldo Franco para a Cultura. Daria quase no mesmo.
O problema é que a pasta da Infraestrutura, com as declarações de Ferreira de ser contra as privatizações e a favor da retomada imediata das obras paradas, seria o mínimo de bom senso que sairia desse governo. Sabemos que o desenvolvimento durante a ditadura foi excludente, ou seja, sua ausência de consciência social nos impede de ter qualquer veleidade de que hoje reeditado contemplaria a sociedade como um todo, porém os empecilhos que o general-ministro poderia colocar não deixariam de ser freios importantes.
Esse último fato deixa mais claro duas coisas que muitos devem acompanhar: a opção por Bolsonaro foi uma opção pela continuidade da instabilidade política do governo Temer e, com a composição do governo ao redor de Lorenzoni e Guedes, ou seja, a fórmula baixo clero + tucanismo doriano na economia – sem freio -, será o tom do governo em seus primeiros meses. Vamos ver como o “segundo escalão” irá se comportar. Com o iminente fracasso das medidas econômicas de Guedes (umas das poucas coisas que Bolsonaro nos passa 100% de certeza) e uma articulação política que pode não ser tão fácil como se imagina, o segundo grupo pode tomar o protagonismo, encarnando a sina pinochetista de Bolsonaro.
Quero acreditar que isso tem um prazo máximo de dois anos para se consolidar ou não. Caso não, a morte melancólica de Temer talvez não se repita… Caso seja bem-sucedido, ai de todos nós! Um dos riscos a não ser descartado é a fragmentação geográfica do país junto ao estado permanente de guerra civil. Enquanto a incerteza de médio prazo persiste, uma chuva ácida se anuncia para breve num céu collorido de chumbo.
Dissolver toda a “polarização”…